Paixão do Senhor: homilia do Pregador da Casa Pontifícia e Via-Sacra: misericórdia, canal da graça de Deus que chega a todos
Publicamos a íntegra da homilia
do Pregador da Casa Pontífícia, Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap, na
celebração da Paixão do Senhor, nesta Sexta-feira Santa, na Basílica de São
Pedro. A tradução do italiano para o português foi realizada por Zenit. Os grifos são da redação.
***
"DEIXAI-VOS RECONCILIAR COM DEUS"
"Deus nos reconciliou
consigo por meio de Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação [...]
Suplicamo-vos em nome de Cristo: deixai-vos reconciliar com Deus. Aquele que
não tinha conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nos
tornássemos justiça de Deus. Posto que somos seus colaboradores, exortamo-vos a
não negligenciar a graça de Deus. Ele, com efeito, diz: ‘No tempo favorável te
ouvi e no dia da salvação te socorri’. Eis agora o tempo favorável; eis agora o
dia da salvação!” (2 Cor 5, 18; 6,2).
Estas são palavras de São Paulo
na Segunda Carta aos Coríntios. O apelo do apóstolo a reconciliar-se com Deus
não se refere à reconciliação histórica entre Deus e a humanidade (esta, ele
acaba de dizer, já se realizou através de Cristo na cruz); tampouco se refere à
reconciliação sacramental que acontece no batismo e no sacramento da
reconciliação; refere-se a uma reconciliação existencial e pessoal, a ser
vivida no presente. O apelo é dirigido aos cristãos de Corinto que são
batizados e vivem há tempo na Igreja; é dirigido, por isso, também a nós, aqui
e agora. “O tempo favorável, o dia da salvação” é, para nós, o ano da
misericórdia que estamos vivendo.
Mas o que significa, em sentido
existencial e psicológico, reconciliar-se com Deus? Uma das razões, talvez a
principal, da alienação do homem moderno da religião e da fé é a imagem
distorcida que ele tem de Deus. Qual é, de fato, a imagem
"predefinida" de Deus no inconsciente humano coletivo? Para
descobrir, basta fazer-se esta pergunta: "Que associação de ideias, que
sentimentos e reações surgem em mim, antes de qualquer reflexão, quando, na
oração do pai-nosso, chego às palavras ‘seja feita a vossa vontade’"?
Quem as diz é como se inclinasse
interiormente a cabeça em resignação, preparando-se para o pior.
Inconscientemente, vincula-se a vontade de Deus com tudo o que é desagradável,
doloroso, com aquilo que, de uma forma ou de outra, pode ser visto como
mutilação da liberdade e do desenvolvimento individual. É um pouco como se Deus
fosse o inimigo de toda festa, alegria, prazer. Um Deus ranzinza e inquisidor.
Deus é visto como o Ser Supremo,
o Onipotente, o Senhor do tempo e da história, isto é, como uma entidade que,
de fora, se impõe ao indivíduo; nenhum particular da vida humana lhe escapa. A
transgressão da Sua lei introduz inexoravelmente uma desordem que exige uma
reparação adequada, que o homem sabe ser incapaz de lhe dar. Daí o medo e, às
vezes, um surdo rancor contra Deus. É um resquício da ideia pagã de Deus, nunca
erradicada de todo, e talvez inerradicável, do coração humano. É nela que se
baseia a tragédia grega; Deus é aquele que intervém, através da punição divina,
para restaurar a ordem perturbada pelo mal.
É claro que nunca foi ignorada,
no cristianismo, a misericórdia de Deus! Mas a ela foi confiada apenas a
incumbência de moderar os rigores irrenunciáveis da justiça. A misericórdia
era o expoente, não a base; a exceção, não a regra. O ano da misericórdia é a
oportunidade de ouro para trazer de volta à luz a verdadeira imagem do Deus
bíblico, que não somente tem misericórdia, mas é misericórdia.
Esta afirmação ousada se baseia
no fato de que "Deus é amor" (1 Jo 4, 8.16). Só na Trindade Deus é
amor sem ser misericórdia. Que o Pai ame o Filho não é graça ou concessão; é
necessidade: Ele precisa amar para existir como Pai. Que o Filho ame o Pai não
é misericórdia ou graça; é necessidade, mesmo que liberíssima: Ele precisa ser
amado e amar para ser Filho. O mesmo deve ser dito do Espírito Santo, que é o
amor feito pessoa.
É quando cria o mundo e, nele, as
criaturas livres que o amor de Deus deixa de ser natureza e se torna graça.
Este amor é uma livre concessão: poderia não existir; é hesed, graça e
misericórdia. O pecado do homem não muda a natureza deste amor, mas provoca
nele um salto de qualidade: da misericórdia como dom se passa à misericórdia
como perdão. Do amor de simples doação se passa para um amor de sofrimento,
porque Deus sofre diante da rejeição ao seu amor. "Eu nutri e criei
filhos, diz o Senhor, mas eles se rebelaram contra mim" (Is 1, 2).
Perguntemos aos muitos pais e mães que tiveram essa experiência se isto não é
sofrimento, e dos mais amargos da vida.
* * *
E o que é da justiça de Deus? É
esquecida ou desvalorizada? A esta pergunta quem respondeu de uma vez por todas
foi São Paulo. Ele começa a sua exposição, na Carta aos Romanos, com uma
notícia: "Manifestou-se a justiça de Deus" (Rm 3, 21). Nós nos
perguntamos: qual justiça? Aquela que dá "unicuique suum", a cada um
o que é seu, distribuindo prêmios e castigos de acordo com o mérito? Haverá, é
verdade, um tempo em que se manifestará também essa justiça de Deus, que
consiste em dar a cada um segundo os seus méritos. Deus, de fato, como escreveu
pouco antes o Apóstolo,
"retribuirá a cada um
segundo as suas obras: a vida eterna aos que, perseverando nas obras de bem,
procuram glória, honra e incorruptibilidade; ira e indignação contra aqueles
que, por rebelião, desobedecem à verdade e obedecem à injustiça" (Rom 2,
6-8).
Mas não é desta justiça que fala
o Apóstolo quando escreve que "se manifestou a justiça de Deus". O
primeiro é um evento futuro; este, um evento em ato, que acontece
"agora". Se assim não fosse, a afirmação de Paulo seria absurda,
negada pelos fatos. Do ponto de vista da justiça retributiva, nada mudou no
mundo com a vinda de Cristo. Continuam, disse Bossuet, a ver-se muitas vezes no
trono os culpados e no patíbulo os inocentes[1]; mas para que não se creia que
há no mundo alguma justiça e ordem fixa, ainda que invertida, eis que às vezes
se vê o contrário, ou seja, o inocente no trono e o culpado no cadafalso. Não é
nisto, portanto, que consiste a novidade trazida por Cristo. Ouçamos o que diz
o Apóstolo:
"Todos pecaram e foram
privados da glória de Deus, mas são justificados gratuitamente pela sua graça,
em virtude da redenção realizada por Cristo Jesus. Deus o estabeleceu como
instrumento de expiação por meio da fé, no seu sangue, a fim de manifestar a
sua justiça, depois da tolerância usada para com os pecados passados no tempo
da divina paciência. Ele manifesta a sua justiça no tempo presente, para ser
justo e justificar quem tem fé em Jesus" (Rm 3, 23-26).
Deus faz justiça a si mesmo ao
ter misericórdia! Eis a grande revelação. O Apóstolo diz que Deus é "justo
e justificador": justo consigo mesmo quando justifica o homem; Ele, de
fato, é amor e misericórdia; por isso faz justiça a si mesmo – demonstrando-se
verdadeiramente como o que é – quando tem misericórdia.
Mas nada disto se entende quando
não se compreende o que quer dizer, exatamente, a expressão "justiça de
Deus". Existe o perigo de se ouvir falar de justiça de Deus e, ignorando o
seu significado, ficar-se com medo em vez de encorajado. Santo Agostinho já
tinha deixado claro: "A 'justiça de Deus' é aquela pela qual, por sua
graça, nós nos tornamos justos, assim como a salvação do Senhor (Sl 3,9) é
aquela pela qual Deus nos salva"[2]. Em outras palavras, a justiça de Deus
é o ato pelo qual Deus faz justos, agradáveis a Si, aqueles que creem no Seu
Filho. Não é um fazer-se justiça, mas um fazer justos.
Lutero teve o mérito de trazer de
volta à luz esta verdade depois que, durante séculos, pelo menos na pregação
cristã, o seu sentido tinha se perdido, e é isto, principalmente, que a
Cristandade deve à Reforma, cujo quinto centenário ocorre no próximo ano.
“Quando descobri isto, eu me senti renascer, e pareceu-me que se escancaravam
para mim as portas do paraíso”[3], escreveu mais tarde o reformador. Mas não
foram nem Agostinho nem Lutero os que assim explicaram o conceito de
"justiça de Deus"; foi a Escritura que o fez antes deles:
"Quando se manifestaram a
bondade de Deus e o seu amor pelos homens, Ele nos salvou, não por causa de
obras de justiça por nós praticadas, mas por causa da sua misericórdia"
(Tt 3, 4-5). "Deus, rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos
amou, fez-nos, de mortos que estávamos pelo pecado, reviver com Cristo. Pela
graça fostes salvos" (cf. Ef 2, 4).
Dizer que "se manifestou a
justiça de Deus", portanto, é como dizer que se manifestou a bondade de
Deus, o seu amor, a sua misericórdia. A justiça de Deus não só não contradiz a
sua misericórdia como consiste precisamente nela!
* * *
O que aconteceu na cruz de tão
importante a ponto de justificar esta mudança radical nos destinos da
humanidade? Em seu livro sobre Jesus de Nazaré, Bento XVI escreveu:
"A injustiça, o mal como
realidade, não pode ser simplesmente ignorada, deixada acontecer. Deve ser
eliminada, derrotada. Esta é a verdadeira misericórdia. E que o faça Deus
mesmo, já que os homens não são capazes – esta é a bondade incondicional de
Deus"[4].
Deus não se contentou em perdoar
os pecados do homem; Ele fez infinitamente mais: Ele os tomou sobre si mesmo. O
Filho de Deus, diz São Paulo, "se fez pecado por nós". Palavra
terrível! Já na Idade Média havia quem achasse difícil acreditar que Deus
exigira a morte do Filho para reconciliar consigo o mundo. São Bernardo lhe
respondia: "Não foi a morte do Filho que aprouve a Deus, mas a sua vontade
de morrer espontaneamente por nós": "non mors placuit sed voluntas
sponte morientis"[5]. Não foi a morte, portanto, mas o amor que nos
salvou! O amor de Deus alcançou o homem no ponto mais distante a que ele tinha
se expulsado ao fugir de Deus, ou seja, a morte.
A morte de Cristo devia ser para
todos a prova suprema da misericórdia de Deus para com os pecadores. É por isso
que ela não tem sequer a majestade de certa solidão, mas é enquadrada, antes,
entre dois ladrões. Jesus quis ser amigo dos pecadores até o fim: por isso
morreu como eles e com eles. O ódio e a ferocidade dos ataques terroristas
desta semana em Bruxelas nos ajudam a entender a força divina contida nas
últimas palavras de Cristo: "Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que
fazem" (Lc 23, 34). Não importa quão grande o ódio dos homens, o amor de
Deus tem sido, e será, cada vez maior. Para nós, é dirigida, nas atuais
circunstancias, a exortação do Apóstolo Paulo: "Não te deixes vencer pelo
mal, mas vence o mal com o bem" (Rm 12, 21).
* * *
É hora de perceber que o oposto da misericórdia não é a justiça, mas a
vingança. Jesus não opôs a misericórdia à justiça, mas à lei de talião:
"olho por olho, dente por dente". Perdoando os pecados, Deus não
renuncia à justiça, mas à vingança; Ele não quer a morte do pecador, mas que se
converta e viva (cf. Ez 18, 23). Jesus Cristo, na cruz, não pediu ao Pai que
vingasse a sua causa; pediu-lhe que perdoasse os seus algozes.
Temos que desmitificar a
vingança! Ela se tornou um mito penetrante, que contamina tudo e todos,
começando pelas crianças. Grande parte das histórias levadas às tela e aos
jogos eletrônicos são histórias de vingança. Metade, se não mais, do sofrimento
que há no mundo (quando não se trata de males naturais) vem do desejo de
vingança, seja nas relações entre as pessoas, seja nas relações entre países e
povos.
Foi dito que "o mundo será
salvo pela beleza"[6]; mas a beleza também pode levar à ruína. Há somente
uma coisa que realmente pode salvar o mundo: a misericórdia! A misericórdia de
Deus pelos homens e dos homens entre si. Ela pode salvar, em particular, a
coisa mais preciosa e mais frágil que há no mundo neste momento: o matrimônio e
a família.
Acontece no matrimônio algo
semelhante ao que aconteceu na relação entre Deus e a humanidade, que a Bíblia
descreve, precisamente, com a imagem de um casamento. No início de tudo,
dizíamos, está o amor, não a misericórdia. A misericórdia só intervém depois do
pecado do homem. Também no casamento, no início não há misericórdia, mas amor.
As pessoas não se casam por misericórdia, mas por amor. Depois de anos, ou
meses, de vida em comum, revelam-se os limites pessoais, os problemas de saúde,
do dinheiro, dos filhos; intervém a rotina, que apaga toda alegria.
O que pode salvar um casamento de
escorregar para um poço sem fundo, senão o divórcio, é a misericórdia,
entendida no sentido completo da Bíblia, ou seja, não apenas como perdão
recíproco, mas como um "revestir-se de sentimentos de ternura, de bondade,
de humildade, de mansidão e de magnanimidade" (Col 3, 12). A misericórdia
faz com que ao eros se junte o ágape; ao amor de busca, o de doação e de
compaixão. Deus "se apieda" do homem (Sl 102, 13): não deveriam
marido e mulher se apiedar um do outro? E não deveríamos, nós que vivemos em
comunidade, apiedar-nos uns dos outros em vez de nos julgarmos?
Oremos. Pai Celestial, pelos
méritos do teu Filho, que, na cruz, "se fez pecado" por nós, afasta
do coração das pessoas, das famílias e dos povos o desejo de vingança e faz-nos
enamorar da misericórdia. Faz que a intenção do Santo Padre ao proclamar este
ano santo da misericórdia encontre resposta concreta em nosso coração e leve
todos a experimentarem a alegria da reconciliação contigo. Assim seja!
[1] Jacques-Bénigne Bossuet,
“Sermon sur la Providence” (1662), in Oeuvres de Bossuet, eds. B. Velat and Y.
Champailler (Paris: Pléiade, 1961), pág. 1062.
[2] S. Agostinho, O Espírito e a
letra, 32,56 (PL 44, 237).
[3] Martinho Lutero, Prefácio às
obras em latim, ed . Weimar, 54, pág.186.
[4] Cf. J. Ratzinger - Bento XVI,
Jesus de Nazaré, II Parte, Libreria Editrice Vaticana 2011, pág. 151.
[5] S. Bernardo de Claraval,
Contra os erros de Abelardo, 8, 21-22 (PL 182, 1070).
[6] F. Dostoiévski, O Idiota,
parte III, cap.5.
Via-Sacra: misericórdia, canal da
graça de Deus que chega a todos
Milhares de pessoas acompanharam
as meditações das 14 estações da Via-Sacra presidida pelo Papa na noite de
Sexta-feira Santa, no Coliseu em Roma.
As reflexões, propostas pelo
Cardeal Arcebispo de Perugia, Gualtiero Bassetti, trouxeram o tema: “Deus é
Misericórdia”.
“O corpo flagelado e humilhado de
Jesus é o caminho da justiça, a justiça de Deus que transforma o sofrimento
mais atroz na luz da ressurreição”.
As estações ainda recordaram as
perseguições e a violência que atingiram a humanidade no passado e que a
atingem também hoje: cristãos perseguidos, o drama dos migrantes.
As últimas estações recordaram o
sofrimento das famílias em crise, dos casamentos fracassados, dos jovens sem
trabalho, das “crianças profanadas na sua intimidade”, que sofreram abusos ou
foram desrespeitadas na sua dignidade.
“Neste Jubileu extraordinário, a
própria Via-Sacra de Sexta-feira Santa nos atrai com uma força especial, a
força da misericórdia do Pai Celeste, que quer derramar o seu Espírito de graça
e consolação sobre todos nós. A misericórdia é o canal da graça que, de Deus,
chega a todos os homens e mulheres de hoje”.
Francisco encerrou a Via-Sacra
com uma forte oração em que lembrou as cruzes que hoje atormentam o
mundo.
Leia a íntegra das meditações
Via-Sacra: cruzes que atormentam
o mundo na oração do Papa
Ao final das 14 estações da
Via-Sacra no Coliseu de Roma, o Papa Francisco fez uma oração para denunciar as
infinitas cruzes que atormentam a humanidade hoje.
O Pontífice condenou os
fundamentalismos, o terrorismo, as guerras e os corruptos. Denunciou a
destruição do meio ambiente em detrimento das futuras gerações, os mares que se
tornaram “cemitérios insaciáveis”. O Papa falou também dos “ministros infiéis”
que despojam os inocentes da sua dignidade. E rezou pelos idosos abandonados,
pelas pessoas com deficiência e pelas crianças desnutridas.
Por outro lado, como sinais de
esperança, Francisco citou religiosas e consagrados – “os bons samaritanos” –
que abandonam tudo para faixar as feridas das pobrezas e da injustiça. E as
pessoas que sonham com um coração de criança e que trabalham cada dia para
tornar o mundo um lugar melhor, mais humano e mais justo.
“Ó Cruz de Cristo, ensina-nos que
o amanhecer do sol é mais forte do que a escuridão da noite. Ó Cruz de Cristo,
ensina-nos que a aparente vitória do mal se dissipa diante do túmulo vazio e
perante a certeza da Ressurreição e do amor de Deus que nada pode derrotar,
obscurecer ou enfraquecer”, pediu por fim o Santo Padre.
***
Abaixo, leia a oração do Papa
Francisco
Ó Cruz de Cristo!
Ó Cruz de Cristo, símbolo do amor
divino e da injustiça humana, ícone do sacrifício supremo por amor e do egoísmo
extremo por insensatez, instrumento de morte e caminho de ressurreição, sinal
da obediência e emblema da traição, patíbulo da perseguição e estandarte da
vitória.
Ó Cruz de Cristo, ainda hoje te
vemos erguida nas nossas irmãs e nos nossos irmãos assassinados, queimados
vivos, degolados e decapitados com as espadas barbáricas e com o silêncio
velhaco.
O Cruz de Cristo, ainda hoje te
vemos nos rostos exaustos e assustados das crianças, das mulheres e das pessoas
que fogem das guerras e das violências e, muitas vezes, não encontram senão a
morte e muitos Pilatos com as mãos lavadas.
Ó Cruz de Cristo, ainda hoje te
vemos nos doutores da letra e não do espírito, da morte e não da vida, que, em
vez de ensinar a misericórdia e a vida, ameaçam com a punição e a morte e
condenam o justo.
Ó Cruz de Cristo, ainda hoje te
vemos nos ministros infiéis que, em vez de se despojarem das suas vãs ambições,
despojam mesmo os inocentes da sua dignidade.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos corações empedernidos daqueles que julgam comodamente os outros,
corações prontos a condená-los até mesmo à lapidação, sem nunca se darem conta
dos seus pecados e culpas.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos fundamentalismos e no terrorismo dos seguidores de alguma religião que
profanam o nome de Deus e o utilizam para justificar as suas inauditas
violências.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje naqueles que querem tirar-te dos lugares públicos e excluir-te da vida
pública, em nome de certo paganismo laicista ou mesmo em nome da igualdade que
tu própria nos ensinaste.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos poderosos e nos vendedores de armas que alimentam a fornalha das
guerras com o sangue inocente dos irmãos.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos traidores que, por trinta dinheiros, entregam à morte qualquer um.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos ladrões e corruptos que, em vez de salvaguardar o bem comum e a ética,
vendem-se no miserável mercado da imoralidade.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos insensatos que constroem depósitos para armazenar tesouros que
perecem, deixando Lázaro morrer de fome às suas portas.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos destruidores da nossa «casa comum» que, egoisticamente, arruínam o futuro
das próximas gerações.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos idosos abandonados pelos seus familiares, nas pessoas com deficiência
e nas crianças desnutridas e descartadas pela nossa sociedade egoísta e
hipócrita.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje no nosso Mediterrâneo e no Mar Egeu feitos um cemitério insaciável, imagem
da nossa consciência insensível e narcotizada.
Ó Cruz de Cristo, imagem do amor
sem fim e caminho da Ressurreição, vemos-te ainda hoje nas pessoas boas e
justas que fazem o bem sem procurar aplausos nem a admiração dos outros.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos ministros fiéis e humildes que iluminam a escuridão da nossa vida como
velas que se consumam gratuitamente para iluminar a vida dos últimos.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos rostos das religiosas e dos consagrados – os bons samaritanos – que
abandonam tudo para faixar, no silêncio evangélico, as feridas das pobrezas e
da injustiça.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos misericordiosos que encontram na misericórdia a expressão mais alta da
justiça e da fé.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nas pessoas simples que vivem jubilosamente a sua fé no dia-a-dia e na
filial observância dos mandamentos.
O Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos arrependidos que, a partir das profundezas da miséria dos seus
pecados, sabem gritar: Senhor, lembra-Te de mim no teu reino!
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos Beatos e nos Santos que sabem atravessar a noite escura da fé sem
perder a confiança em ti e sem a pretensão de compreender o teu silêncio
misterioso.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nas famílias que vivem com fidelidade e fecundidade a sua vocação
matrimonial.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos voluntários que generosamente socorrem os necessitados e os feridos.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos perseguidos pela sua fé que, no sofrimento, continuam a dar testemunho
autêntico de Jesus e do Evangelho.
Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda
hoje nos que sonham com um coração de criança e que trabalham cada dia para
tornar o mundo um lugar melhor, mais humana e mais justo.
Em ti, Santa Cruz, vemos Deus que
ama até ao fim, e vemos o ódio que domina e cega os corações e as mentes
daqueles que preferem as trevas à luz.
Ó Cruz de Cristo, Arca de Noé que
salvou a humanidade do dilúvio do pecado, salva-nos do mal e do maligno! Ó
Trono de David e selo da Aliança divina e eterna, desperta-nos das seduções da
vaidade! Ó grito de amor, suscita em nós o desejo de Deus, do bem e da luz.
Ó Cruz de Cristo, ensina-nos que
o amanhecer do sol é mais forte do que a escuridão da noite. Ó Cruz de Cristo,
ensina-nos que a aparente vitória do mal se dissipa diante do túmulo vazio e
perante a certeza da Ressurreição e do amor de Deus que nada pode derrotar,
obscurecer ou enfraquecer. Amém!
Fonte: http://br.radiovaticana.va
Foto: Reuters
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